05 Abril de 2023
Por Benvindo Neves, Crónicas do futebol cabo-verdiano.
Por estes dias está a dar que falar um tal jogo do campeonato nacional de futebol sub-17. A Escola de Futebol Inter Zonas do Sal, EFIZ, campeã nacional da categoria, goleou a Ultramarina por 13-01, em jogo da quarta jornada da fase de grupos, disputado na cidade do Mindelo.
O Batuque, que dois dias antes tinha aplicado "só" meia dúzia à mesma presa, não gostou nada nada desse "descaramento" dos sanicolauenses diante dos salenses. Convém recordar que, antes, na primeira volta, a EFIZ tinha derrotado Ultramarina por "apenas" 2-1. Mas, foi a mesma EFIZ que também tinha derrotado o Batuque, na 1ª jornada, por 3-2.
O malfadado 13 – 1 viria a registar-se já na segunda volta. A coisa depressa causou estranheza em muita gente, sobretudo nos são-vicentinos. Um “complot” para deixar o Batuque de fora da próxima fase, disseram muitos em publicações nas redes sociais. Outros, incrédulos, exclamaram: 13? Treeeze!? Treeeeez’un?!!
E é precisamente este espanto que me interessa. É este espanto que me espanta. Afinal, ond’ê k ta a surpresa?
Só quem não acompanha o futebol (nacional) com atenção ainda fica escandalizado com os 10, 11, 12, 13 e até 14 golos a entrar todos numa única baliza, num só jogo. E nem estou a falar de futebol de formação, falo nos campeonatos de gente graúda, campeonatos oficiais, séniores.
Vamos lá, então, acionar um pequenino lembrete! E nem vou dar ao trabalho de recuar muito no tempo. Fico por esta temporada.
Campeonato regional do Maio:
Figueirense - Morrerense (10-0)
Barreirense - Morrerense (13-0)
Campeonato regional Santiago Norte
Beira Mar - Benfica (11-1)
Ora, todos estes resultados foram registados – repito - esta época. E mais: dois deles aconteceram nas últimas duas semanas. Será que é preciso mais exemplos? Lembre-se dos constantes 9, 10, 12… em anteriores edições dos campeonatos em regiões como, por exemplo, as do Fogo e da Brava?
Prometi não recuar muito no tempo. Mas, não resisto em trazer apenas mais um caso, o célebre caso do Baxada.
Há uns poucos anitos, em 2017, o campeonato regional do Fogo chegou ao fim com duas equipas na frente, com os mesmos pontos. Estando empatadas no quesito “confronto direto”, a decisão iria ser encontrada no chamado goal average. O vulcânico levava uma confortável vantagem, de tal modo que a Académica para ser campea, teria de golear o Baxada por, pelo menos, 18(!) golos de diferença. Missão impossível? Não, perfeitamente exequível. De tal modo que a equipa acreditou piamente que podia conseguir esse feito. E não é que os “alvinegros de São Filipe” ficaram pertos? Golearam por 14-0. E, note-se que Baxada teria feito de tudo para não deixar as perninhas abertas.
Feliz com o "objectivo conseguido" o treinador do Baxada deu uma entrevista todo orgulhoso a explicar a sua tática de “bloku baxu “que impediu o adversário de marcar os tais 18 e ficar "só" pelos 14. Tudo “normal”, ninguém acusou os pobres desgraçados de Cova Figueira de facilitismo.
Aonde eu quero chegar?
Voltando ao caso dos 13-1 no jogo entre EFIZ e Ultramarina. Penso que não se pode afirmar que houve “complot” apenas vendo para o resultado. Até porque a história (recentíssima, aliás) nos mostra que, entre nós, esses números são quase pão nosso de cada jornada. Ora, se até gente de barba na cara leva 10, 11, 12, 13, 14… em campeonatos regionais séniores, porque é que rapazotes imberbes, muitos deles sem qualquer experiência de competição fora da sua zona de conforto, estão “proibidos” de encaixar tantos golos?
E não se pense que esta história dos resultados com 2 dígitos é coisa apenas dos regionais. Basta recuar uns aninhos que vamos encontrar uns casos de 2 dígitos no Campeonato Nacional sénior.
Nem adianta pensar, também, que esta história dos resultados com 2 dígitos é coisa “das antigas”, já só visto em Cabo Verde.
Pois bem, vamos trazer mais dois exemplozitos recentes: um vindo da CAF e outro da toda-poderosa FIFA.
Há menos de um ano, em junho de 2022, já na campanha de qualificação para CAN 2024, a seleção de São Tomé e Príncipe levou 10… isso mesmo, 10-0 (!) da Nigéria. Para quem os desgraçados dos nossos irmãos do Golfo da Guiné andaram a abrir pernas?
Em 2019, durante o Mundial Sub-20, a Noruega esmagou as Honduras com 12-0. Sim, Aconteceu num Mundial e não numa “joguinha a feijões”. Foi nesse tal jogo, aliás, que um “lapunga” de nome Erling Haaland marcou 9 golos! Se calhar, os garçons hondurenhos terão ficado rendidos com os olhinhos azuis do atual ponta-de-lança do Manchester City!
Se teve paciência de ler até aqui (obrigado, já agora, pela simpatia), se calhar é um daqueles que já deve estar a indagar: aonde este estupor quer chegar?
Bem, convém deixar claro: não estou a defender a Ultramarina, não coloco minhas mãos no fogo para nenhum dos implicados. Até porque, se as colocar, só eu poderei “psir”. E, na eventualidade de um panhá mau, ninguém vai querer partilhar a dor das minhas queimaduras. Aqui não está em causa quem tem razão, se a Ultramarina a reclamar inocência, ou se o Batuque a declarar-se vítima de uma combinação. Não tenho como saber. A FCF já anunciou que mandou abrir um processo de averiguação e estamos á espera para ver no que vai dar.
Agora, o que não me parece razoável é ser-se peremptório a acusar a equipa de má conduta, olhando apenas para o resultado e sem ter provas da existência de comportamentos deliberadas para proporcionar esse descalabro. E nem o resultado à tangente registado na primeira volta serve de argumento. Um dos estafados clichés do futebol diz “cada jogo tem sua história.”
Quanto às cenas de violência que aconteceram esta terça-feira, não deixa de ser preocupante quando estamos a falar de um jogo das camadas jovens. Talvez essa onda de suspeição que se seguiu ao jogo dos 13-1, com um mar de julgamentos prévios e, eventualmente, às-cegas, terá levado os rapazes do Batuque a pensar algo mais ou menos assim: “se a Ultramarina abriu as pernas para a EFIZ, eles vão ter de nos “dar” também.” E não tendo “dado” aos são-vicentinos como “deram” aos salenses, aí veio a ira.
Os julgamentos precipitados levam, quase sempre, a danos irreparáveis.
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